quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Deixando a Montanha

E foi assim que Edgard Brightblade me relatou a fuga das Montanhas Boca do Deserto, em companhia dos Bons Companheiros e dos Irmãos do Trovão.

"Enquanto saíamos das ruínas anãs pelo túnel que havíamos entrado eu já não esperava ver mais vespas, nosso batedor e o mestre da floresta já haviam dito que elas não ficariam por muito tempo. Ainda estávamos cansados da batalha anterior e esperávamos ver apenas os corpos dos insetos que deixamos abrindo nosso caminho de entrada, porém isso também não aconteceu desta forma.
O cheiro de cera derretida penetrava minha cabeça, dificultava minha concentração e uma espécie de náusea tomou conta de mim, não apenas a cera, algo a mais, uma espécie de muco queimado, um odor de enxofre, como quando aquele sacerdote vinha abençoar nossa casa, em Inverno Remoto, repetidas vezes na minha infância e também outro cheiro, um fedor de ácido, algo parecendo carne podre, um cheiro que eu já havia sentido, mas onde? Não havia nada vivo ali, fora a cera derretida, as teias queimadas e algumas brasas no que eu imaginava serem corpos das vespas, havia apenas a esperança de luz na saída do túnel, luz essa que não existia.
Ao chegarmos do lado de fora já começava a anoitecer, quanto tempo haveríamos ficado dentro da caverna? Pelo meu relógio mental, havíamos ficado apenas uma ou duas horas, não seria o suficiente para anoitecer, mas Timora sabe que essas coisas nunca são precisas. O frio voltou a cortar meu rosto, eu sentia meu cavanhaque endurecido e o suor do cabelo congelando. O pior ainda era aquele cheiro que não saia da minha cabeça, parecia estar sendo originado dentro do meu próprio nariz, aquilo me enojava, me fazia perder toda a atenção ao meu redor.
Percebi o sangue dos goblins mortos virando papa nos meus braços enquanto andávamos para o navio de Gavin, esperávamos que a tripulação tivesse ido para lá, mas não podíamos ter certeza. Ouvíamos os gritos de goblins e orcs nos seguindo, ou ao menos o resto do grupo ouvia, eu estava preocupado de mais segurando meu estomago e tentando vencer a neve e o terreno para prestar atenção em algo, tão preocupado com isso que só percebi as criaturas que nos rondavam quando um dos anões chamou a atenção.
Aquelas criatura me eram familiares, mas de onde? No momento que resolvi olhar na direção de uma delas para ver do que se tratava exatamente tive uma trégua do enjoo, foi como se eu olhasse para dentro do inferno, para uma existência passada em que fui devorado por esta mesma criatura que me olhava, seus olhos amarelados, seu rosnado (ou estaria sorrindo?) e sua pose ameaçadora me diziam claramente que eu estava marcado, eu conseguia escutar sua voz na minha cabeça.
“O lanche chegou, vou devorar você devagar, para poder apreciar cada sabor diferente que sairá de dentro do seu crânio”
Não sei se foi a familiaridade com a criatura ou a minha própria loucura, mas me desesperei. Tomei a frente do grupo, correndo, engatinhando, forçando minha passagem na neve para longe daqueles bichos, tudo em vão. Fui pego logo que me afastei de meus companheiros, fui mordido no braço, não com força, porém pareceu arrancar parte de mim, senti o cheiro, aquele cheiro, novamente, o hálito da criatura misturado ao cheiro de neve virgem, era este o cheiro que eu sentia.
Fui levado até uma espécie de lobo gigante, uma criatura monstruosa, rosto humanoide, garras que pareciam navalhas gigantes prontas para fazer minha barba, pescoço e coluna, havia um círculo de lobos-navalha a minha volta, alguns ogros, goblins e orcs. Não sabia se eu segurava meu orgulho ou meus intestinos, escutei a criatura falando em outra língua, uma língua infernal, uma língua que de alguma forma eu consegui compreender. Ela dizia que eu era muito fraco, que queria outro, aquele que fazia barulhos de trovão.
Claramente ela falava de um dos anões que nos haviam resgatado, ele portava uma armadura completa e utilizava um martelo que ressoava como trovões quando batia, assim que me dei conta disso as feras haviam saído da minha volta e sumido na floresta, talvez houvessem ido buscar meus amigos, era um ótimo momento para me acalmar e pensar em alguma maneira de fugir, mas um ogro me segurava fortemente.
Após alguns segundos, a calma tomou conta de mim, como sempre tomava nas situações me que era necessário utilizar minha espada para abrir caminho entre os inimigos, nunca havia me desesperado em uma situação destas. Junto com a calma, vieram as palavras, como se fossem sussurradas na minha orelha, não, dentro da minha cabeça, comecei a entoar estas palavras e toquei o ogro.
Vi um arco de eletricidade saindo de minha mão e voando em direção ao colar metálico que o monstro usava, a visão dele voando uns poucos metros me deu júbilo, uma satisfação imensa, sabia que estava livre em seguida sentia apenas o cheiro de carne e pelos queimados, era hora de sair daquele lugar e procurar minha rota até o barco.
Eu fazia o melhor para me esconder, mas algo me achou. Tão logo senti a mão no meu punho quis golpear com a espada, grande e desajeitada para ser utilizada com apenas uma mão, mas seria o suficiente para acertar a criatura. Ao virar a cabeça para soltar o golpe vi que era outro dos anões, ele havia vindo me ajudar e agora me puxava e me guiava pela neve, cobrimos em pouco tempo o terreno que nos separava de seu irmão.
Chegamos ao local onde o anão com armadura estava, ele lutava costa a costa com um Drow (o que diabos ele estava fazendo ali?), mas um drow lutando nas suas costas passa a ser um ótimo aliado se ele estiver de costas para você. O elfo negro repelia diversos inimigos enquanto o mestre do trovão estava engajado com apenas um, o lobo-navalha maior que falara comigo antes.
O lobo estava com a boca envolvendo o punho do anão, dificultando seus golpes, o pelo amarelo-negro balançando com o movimento, os olhos amarelados brilhando de raiva, eu sabia que a qualquer momento ele iria em direção ao rosto do anão, que aquilo era apenas uma manobra de ataque, que a criatura não era somente inteligente, mas sim um estrategista brilhante, eu sabia.
Mas a calma estava em mim e a voz na minha cabeça me dizia (na mesma linguagem infernal) para atacar a criatura, ressoei as palavras que me vinham e ataquei. Uma adaga passou ao meu lado e vi quando ela entrou fundo no pescoço do lobo, assim que ele piscou os olhos como se sentisse dor enfiei uma espada funda em sua barriga, senti um liquido gosmento escorrendo e espirrando, meu rosto foi respingado (que sensação ótima) e minha lâmina lubrificada. A criatura soltou o anão apenas para levar uma martelada ao lado esquerdo da face, o que a fez rolar.
A fera rolou e eu estava pronto para golpear novamente quando escutei o anão que havia me resgatado rogando “não, isso não!”, me virei para ver o que estava acontecendo bem a tempo de obervar o grande martelo caindo ao chão e fazendo o mundo tremer, consegui me manter de pé, o chão parou, e então veio a avalanche.
Tudo aconteceu em menos de dez segundos, as criaturas sumiram (“vou voltar, vou pegar você”) e logo estávamos correndo para o navio voador que já vinha em nossa direção, a tripulação nos puxou para cima enquanto observávamos a neve cobrindo a horda que nos perseguia. Ninguém hesitou subir ao barco, com exceção do elfo negro, mas por quê? Não era aliado dos anões? Não lutara junto conosco? Não queria pensar nisso naquele momento, queria apenas subir ao convés e vomitar, afinal, o cheiro voltara as minhas narinas e eu precisava me livrar daquilo."

Créditos do texto ao Rodrigo Boros.

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