Os últimos dias da Nevasca foram
marcados por céus tumultuosos. É bem verdade que esta é uma época
de tempestades e mudanças bruscas no clima, com rajadas de vento
súbitas, acompanhadas de chuva gélida e às vezes até neve. Mas a
tempestade na última dezena do ano foi fora do normal. Nuvens
negras, carregadas por ventos velozes vindos do Anauroch,
espalharam-se sobre todo o norte e as terras centrais, escondendo o
céu estrelado.
A tempestade atingiu os habitantes dos
Vales com força. Árvores foram torcidas e arrancadas pela raiz.
Telhados de madeira se desfizeram, sendo levados pelo vento como
folhas secas. Até mesmo um celeiro, grande e não muito antigo, foi
ao chão, derrubado por uma rajada particularmente forte de vento.
Os clientes habituais da Estalagem do
Velho Crânio bebiam e riam. Apoiado no balcão, um homem grisalho
contava uma história engraçada. O protagonista da história, também
rindo, dizia que as coisas tinham acontecido diferente, que a
história era um absurdo mentiroso, mas por mais que tentasse, não
conseguia se explicar, e mais gargalhadas eram ouvidas a cada
tentativa.
Nem todos os presentes eram
conhecidos de Jhaele, a proprietária. Ela podia perceber algumas
pessoas que se destacavam das demais. A uma mesa perto do fundo da
taverna sentavam-se um humano jovem, porém forte, de cabelos
compridos e olhar desconfiado, e seu companheiro, um gnomo. Este
olhava tudo com atenção, quase como se esperasse ser surpreendido,
embora parecesse bastante relaxado em sua cadeira.
Ao balcão também havia uma figura
desconhecida. Humano, com certeza com menos de 20 anos. Pouco mais do
que um garoto. Mãos enluvadas e uma grossa capa para proteger do
frio. A caneca de cerveja estava vazia há algum tempo, Jhaele sabia.
Mas o rapaz continuava com ela. A estalajadeira conhecia esse tipo.
Disfarça que está bebendo, porém sem colocar uma gota de álcool
na boca. Sem dúvida estava procurando alguém. Ou alguma coisa. E
normalmente isso significava problemas.
Não que Jhaele se preocupasse com
isso. Apesar de velhos, boa parte de seus clientes eram bem capazes
de se defender, e ela tinha amizade suficiente com todos eles para
saber que seu estabelecimento estava seguro. Para ser sincero, a
própria Jhaele seria bem capaz de se garantir, caso algum
engraçadinho resolvesse criar problemas no Velho Crânio. Alguém
pediu mais cerveja, e ela deixou a preocupação de lado. Há anos o
Vale das Sombras estava em paz, e estava frio demais esta noite, até
mesmo para os problemas.
E então as janelas explodiram.
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