segunda-feira, 12 de março de 2012

Os Bons Companheiros - Parte 5


Milner olhou pela janela de seu novo quarto. Havia neve lá fora, e o tempo continuava hostil. Milner também não estava em um humor amigável.
Se ao menos tivesse conseguido alcançar o homem de capa escura, poderia ter obtido algumas respostas. Porém não conseguiu.
Perseguiu-o por mais de um mês, desde Águas Profundas até ali. Às vezes o homem sumia no horizonte, apenas para reaparecer bastante perto em algumas horas.
Mas por mais que tentasse, Milner não tinha sucesso em alcançá-lo. E nem o homem de capa escura em despistá-lo.
Enfim parecia que a sorte tinha decidido sorrir a um dos dois. E para a decepção de Milner, não foi ele o felizardo.
Será que seu irmão tivera mais sorte do que ele? E como estariam suas irmãs e sua mãe? Sabia que elas tinham partido para Portal de Baldur, mas não teve mais notícias delas. A mãe disse que iria para a casa de um irmão, onde estaria segura.
Mas Milner não tinha certeza disso. Seu pai, com certeza, tinha todos os motivos para acreditar estar em segurança. Pela maneira como Milner o encontrou, o homem deve ter morrido com esta crença, já que não parecia ter sequer percebido o assassino. A cena ainda assombrava Milner, e a lembrança apenas serviu para irritá-lo ainda mais. Levou à mão ao cabo da espada, preso ao cinturão de couro cru. Se ao menos tivesse alcançado o homem da capa escura.
A porta se abriu, e seus companheiros de quarto entraram, conversando. Um gnomo e um humano tão grande que mais parecia um gigante. A julgar pelas vestes de ambos, era provável que fossem dois bandoleiros.
Como dizia o antigo ditado, teria que dormir com um olho aberto. Ou se arriscar a acordar e descobrir sua mochila e seus bolsos vazios. Isso, é claro, considerando que chegasse a acordar.

***

O dia amanheceu frio e silencioso. O gnomo acordou cedo, mas não antes do rapaz com quem ele e Lagosh dividiram o quarto. O homem já havia saído, e Zankas não perdeu tempo em conferir seus pertences. Não que houvesse muito o que conferir.
A bolsa de moedas tinha apenas o suficiente para mais uma refeição. Por sorte a proprietária da taverna prometeu refeições grátis por mais um dia. Mas e depois?
Lagosh roncava sonoramente. Resmungou alguma coisa em sua língua nativa, e então voltou a roncar.
Zankas o conheceu no Vale da Cicatriz. Mais precisamente, em um alojamento de escravos. O gnomo havia sido capturado em uma emboscada. Matou dois dos atacantes, e aleijou pelo menos outros dois. Mas acabou preso. Devidamente espancado, foi atirado em uma cela imunda. Em alguns dias, outros homens foram colocados ali. Entre eles, o jovem louro, forte como um boi e bravo como um javali, de nome Lagosh.
Os prisioneiros daquela cela estavam destinados à arena. Um costume importado de terras mais selvagens, e que nunca foi bem visto pelos demais Vales. Mas os regentes do Vale da Cicatriz não davam à mínima para isso, e nem para outras atrocidades que os demais Vales se orgulhavam de não permitir dentro de suas fronteiras. Roubos e mortes eram constantes na Cicatriz. Enclaves de magos com propósitos duvidosos, tavernas cheias de piratas e uns poucos mercadores de escravos também freqüentavam a capital do Vale.
Após algumas batalhas, apenas Lagosh e Zankas começaram a ganhar destaque. Lutando juntos, eram páreo para adversários cada vez mais poderosos, rendendo rios de dinheiro a seus donos e aos anotadores de apostas.
Quando os demais donos de escravos começaram a se negar a fornecer adversários para a dupla, começaram as batalhas com monstros.
Mas foram nestes dias que a grande praga surgiu. Houve quem dissesse que era um castigo dos deuses. Outros davam como certo que o início da doença se devia a uma razão bem menos divina – ela teria se espalhado rapidamente à partir de um bordel visitado constantemente por marinheiros sulistas.
A verdade é que como a praga começou pouco importava ao gnomo. O importante mesmo é que ela lhe deu condições de escapar. Quando cada homem que fungava ou espirrava era olhado com terror, aqueles que ainda estavam saudáveis começaram a abandonar o lugar. Em pouco tempo, os guardas haviam abandonado seus postos, deixando os demais escravos para morrer. Se de fome ou de doença, pouco importava.
Mas Zankas tinha seus truques nas mangas, e com algum tempo, conseguiu providenciar um jeito de escapar de sua cela, levando consigo o bárbaro Lagosh.
Viajaram durante dias pelas florestas da antiga Corte Élfica, sempre indo para o oeste, deixando para trás as celas e os doentes. Até chegar ao Vale das Sombras.
A barriga do gnomo roncou, e ele pensou com tristeza na fome que se seguiria caso não arrumassem algumas moedas logo. O pouco que conseguiram na fuga da Cicatriz havia acabado, e no Vale das Sombras não haviam corpos para ser revistados em busca de dinheiro. Então precisavam de trabalho. Ou colocar o pé na estrada novamente, e sobreviver como pudessem até a próxima cidade. 

***

O vulto estava agachado. Praticamente invisível, escondido pela escuridão da noite, analisava as marcas no chão. A tribo havia fugido para sudeste. Sabia que eles tinham visto algo que os assustara, mas não sabia o quanto exatamente tinha sido visto pelos orcs. Na verdade, não achava que eles sequer entendessem o que haviam presenciado, mas isso não importava.
Mas suas ordens eram claras.
Levantou-se, e puxando o capuz sobre a cabeça, começou à caminhar seguindo o rastro deixado pelos orcs.

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